STEFAN
SALEJ
O
setor agrícola brasileiro, junto com a mineração, foi internacionalizado desde
a descoberta do Brasil. Não demorou muito para que, além de diamantes, ouro e
outros metais e pedras preciosas, o Brasil, único país do mundo que tem seu
nome oriundo de uma madeira, passasse a exportar madeira, açúcar, cacau. E
depois vieram, já no século 19, café, borracha e, com novas conquistas, soja,
milho, suco de laranja, etanol, cafés especiais, e mais e mais produtos da
terra. O agronegócio foi, assim, sempre internacionalizado e muito antes da
indústria. Hoje você encontra produtos bem mais sofisticados, como cachaça, no
mundo inteiro. E não há ninguém que não reconheça que, se não fosse o
agronegócio, o Brasil teria falido e quebrado ainda mais do que já está.
E como mesmo
com toda a tecnologia que foi desenvolvida na área agrícola e pecuária (veja o
exemplo do centro de genética de Uberaba) ainda depende muito de São Pedro (e
haja mudança climática para ele administrar), nós também importamos produtos
agrícolas. Vinhos do Chile, Argentina, França e Espanha, trigo da Argentina,
Estados Unidos, etanol dos Estados Unidos, leite do Uruguai, e mais e mais
outros produtos de inúmeros países. Com significativa exportação de nossos
produtos agrícolas e carnes, criamos um superávit comercial que desequilibra
nossas relações comerciais com o mundo. Ou seja, se queremos exportar
mais, vamos ter que importar. E importar de quem importa mais, não menos .
A nossas
exportações agrícolas dependem também muito do exterior e das empresas
multinacionais no Brasil. No mercado interno, as maiores distribuidoras de
alimentos, lácteos, os supermercados, são estrangeiros. Os maiores exportadores
de nossas commodities são estrangeiros. Sementes, fertilizantes,
transportes, máquinas e tudo o mais, tem estrangeiro dominando. Então, não dá
para ignorar.
E aí entra
esse episódio da importação de leite do Uruguai. Esse vizinho nosso tem pouca
coisa para exportar para Brasil, a não ser produtos agrícolas, e importa muito
do Brasil. Além do mais, é sócio importante no Mercosul, onde estamos
negociando um acordo de comércio com a União Europeia. Se não ligar essas
pontas, como aconteceu com a proibição de importação de lácteos uruguaios,
temos um problema. É como proibirmos a importação de arroz de lá ou a
importação de trigo dos Estados Unidos e termos um superávit comercial enorme
com a Argentina, que também exporta trigo para Brasil.
Mas, o maior
tiro no pé na área internacional foi a edição do decreto referente à definição
de escravatura. Que é preciso ter novas definições de normas de trabalho em
toda a sua extensão, não há dúvida alguma. Mas, nitidamente, no século 21,
afirmar que é normal que a legislação brasileira aceite normas
consideradas imorais pelo mundo, que compra nossos produtos, é um absurdo
inaceitável. Nem no Brasil e nem no mundo, ninguém de boa fé, aceita isso. Não
há mais espaço para discussão sobre a escravatura, que já acabou . Agora,
entidades empresariais defenderem esse regulamento e dizerem que não afeta
nosso comércio internacional, como fez a CNI, é de uma ignorância e
irresponsabilidade que só será corrigida lamentavelmente pelo que nos espera.
Para começar, já na negociação com a União Europeia, não há negociador europeu
que possa aceitar isso. Nem governos e nem consumidores aceitarão. Portanto, o
preço que vamos pagar pela meia dúzia de irresponsáveis que acham que o país
inteiro tem que defendê-los, com sua falta de ética e responsabilidade social,
será altíssimo. Bem-vindos ao nosso futuro visto pelo retrovisor da história.
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